No quintal de casa, os alunos inventaram uma
engenhoca que poderia diminuir enchentes e incêndios. É um biodigestor. Um
recipiente lacrado, feito com duas caixas d´agua.
Em uma comunidade
pobre, no extremo norte do Brasil, uma professora supera as maiores
adversidades, vende bolo na rua, para realizar um sonho dos alunos. Um projeto
que levou meninos talentosos mais longe do que eles jamais imaginaram.
A primeira distância
Elizabete atravessou aos 6 anos. Foi de balsa, do Pará, onde nasceu, para o
Amapá, cidade de Laranjal do Jari. Foi atrás de um sonho.
“O pessoal diz
assim: ‘por que você não sonhou com outra coisa?’ Eu digo não. É meu sonho
desde criança. Eu já nasci e eu já dizia para minha mãe que eu queria ser
professora. É só o que sei fazer”, diz a professora Elizabete Rodrigues.
Desde pequena, para
ir à escola, ela passava pelo bairro das Malvinas. Não sabia que aquele bairro
a levaria mais longe do que imaginava.
Uma parte da cidade
nasceu quando uma fábrica abriu e os trabalhadores acharam que o melhor lugar
para morar seria na beira do rio. Eles construíram um bairro inteiro sobre
palafitas e casas que ou não tem parede de fundo ou têm um janelão que
intensifica o contato com a natureza. Só que não demorou muito para que essa
natureza reclamasse a ocupação desordenada. Hoje cerca de 20 mil pessoas vivem
na região. São gerações e gerações de famílias em constante estado de
alerta.
Sem coleta de lixo,
ele fica por ali mesmo. E, quando chove, é difícil de a água escoar.Todo ano,
final de abril começo de maio, há enchentes. E, quando abre o sol nas Malvinas,
o problema é outro: incêndios. As casas são muito coladas, todas de madeira.
Quando acontece um acidente elétrico, ou vaza gás, o fogo se alastra
rápido.
Enchentes e
incêndios. Foi sempre assim. Desde quando Elizabete estava na escola até quando
passou no vestibular para matemática, quando finalmente se tornou professora da
mesma escola em que estudou quando criança, ela começou a ter ainda mais
contato com o povo ribeirinho.
“Sempre que
acontecem grandes e pequenas enchentes eles tiram as pessoas lá da parte baixa
e a escola acaba sendo abrigo para eles”, conta a professora.
Elizabete resolveu
então tocar um projeto. Juntou três alunos e, com questionários, foram saber
quais as principais dificuldades que viviam o povo das Malvinas.
“Constatamos que as
pessoas não querem sair de lá muitos motivos. Já que eles não querem sair,
resolvemos amenizar a situação deles”, relata.
No quintal de casa
eles inventaram uma engenhoca que poderia diminuir enchentes e incêndios. É um
biodigestor. Um recipiente lacrado, feito com duas caixas d´agua. Encheram de
lixo e esgoto.
“Durante cerca de 15
a 25 dias, ele produziria o gás metano, e esse gás seria distribuído através de
tubulações pra população”, explica o estudante Adymailson dos Santos.
Eles fizeram o
esquema no computador. E testaram um modelo, que realmente funcionou. Filmaram:
ficaram tão empolgados com a descoberta que começaram a inscrever o projeto em
feiras de ciências pelo Brasil todo.
Conseguiram uma vaga
na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia, no Rio Grande do Sul. O
problema era chegar até lá. Um amigo, comovido com a história, que resolveu
ajudar.
“Eu não poderia
ficar de fora. Tinha que dar uma força”, conta Joel Silva Santos.
Em Novo Hamburgo
(RS), eles apresentaram o projeto, que foi eleito um dos melhores. Por isso,
ganharam uma viagem para os Estados Unidos, para participar de uma das maiores
feiras de ciências do mundo.
“Fiquei paralisada,
não conseguia sair da cadeira”, diz Elizabete.
Mas logo a euforia
acabou. Os Estados Unidos estavam mais longe do que eles imaginavam. Uma
empresa disse que ia pagar as passagens, mas do resto eles teriam que
cuidar.
“Visto, você vai ter
que correr atrás, passaporte, você vai ter que correr atrás. E aí eu
perguntava: como é que eu vou fazer isso?”, lembra.
De volta a Laranjal
do Jari, fizeram o que puderam: bolo em casa para vender na praça: “Dizia para
os meus alunos: prometo para vocês que vocês irão, pode ser até que eu não vá,
mas vocês irão”.
E ainda havia a
barreira da língua. Elizabete tirou do próprio bolso o dinheiro para pagar
aulas de inglês para todos. Mas só podia pagar dois meses do curso. A solução
foi encontrada por um professor.
Ele traduziu para o
inglês a apresentação do projeto, palavra por palavra. E depois, gravou no
celular de cada um para que eles pudessem praticar em qualquer lugar.
Na semana passada,
eles estavam com o texto decorado em Pittsburgh, na Pensilvânia. Eles ganharam
medalhas, um diploma da marinha americana. E um exemplo pra vida.
“Sempre diziam
‘desistam, isso aqui não é para vocês’. E ela sempre nos incentivando, dizendo
‘não desistam, sigam o sonho de vocês’. Eu não tinha noção da profissão que
queria seguir, mas depois de conhecer ela eu disse: quero ser professor”,
Adymailson dos Santos.